12.9.11
Ainda os Tumultos de Inglaterra
Os acontecimentos de Inglaterra de Agosto pretérito certamente ainda não esgotaram a reflexão que a todos cumpre fazer, na busca da sua funda compreensão.
Num dos vários jornais ingleses que comprei e li, nos dias sequentes aos tumultos, o ex-conspícuo «Times», que hoje já se publica com profusas fotografias, no chamado formato popular ou tablóide, longe portanto do aspecto e das características que lhe mereceram o prestígio mundialmente outorgado, senti nele, apesar de tudo, nos seus múltiplos editoriais, um tom compungidamente envergonhado, pela situação caótica vivida na antiga capital do Império Britânico, mais parecida com a turbulenta anarquia de uma pobre república africana, do que com o ambiente próprio de uma das mais míticas metrópoles do Planeta.
Numa das reportagens, o jornalista registara, com escândalo, que um Polícia se dirigira a um cidadão transeunte, aconselhando-o a abandonar o local, terminando a frase, com o termo «Mate», quando era tradicional o uso de «Sir», como pude comprovar, logo na minha primeira visita a Londres, ainda em adolescente, nos idos de 1970.
Nesse tempo, todos os empregados das lojas, por regra, usavam esse termo, para com clientes masculinos, mesmo que estes fossem apenas rapazes, como então era o meu caso, tal como usavam o de Madam ou Miss, para interlocutores femininos.
Esse tratamento conferia dignidade às pessoas envolvidas e estava de acordo com o padrão de civilização que então britânicos e não britânicos defendiam e cultivavam.
A forma actual, verberada pelo jornalista, reconheça-se, espelha a degradação geral, entretanto ocorrida.
Podem alguns, sempre lestos em justificar ou desculpar as actuais grosserias, de que as malfeitorias são o grau sequente e inevitável daquela compassiva atitude, alegar a maior informalidade das relações e dos costumes contemporâneos, que não conseguem esconder a manifesta hodierna degenerescência social.
Sem aparente oposição de quem, por imperativo ético, deveria oferecer resistência, tem-se assistido à progressiva predominância do reles, do grosseiro, dos mais prosaicos padrões, em quase todos as manifestações culturais britânicas, as mesmas que, em tempos, surgiam invariavelmente impregnadas do conceito de qualidade, categoria habitualmente garantida, quase só, pela sua proveniência.
Há uns anos, passei os olhos por um livro, com um título deveras elucidativo – A Decadência do Cavalheiro/Gentleman Inglês – e li também um outro, correlacionado no tema, mas de autor norte-americano, professor universitário, com largo convívio com gerações de jovens estudantes, intitulado «The Closing of The American Mind», que, na tradução portuguesa, surgiu com uma designação algo distante, «A Cultura Inculta», não traduzindo bem a ideia contida no original.
Este último havia sido publicado nos EUA, no final da década de 60 do século passado, quando as Universidades americanas começaram a ser palco de forte agitação, desencadeada sob o pretexto da contestação à intervenção americana no Vietname. Rapidamente desta se passou a tudo o mais, desde a ordem curricular, à partilha por estudantes de ambos os sexos dos espaços residenciais das Universidades.
A droga propulsionada pelo ritmo frenético do Rock-and-Roll fazia então a sua entrada triunfal nos estabelecimentos de ensino americanos, não só dos universitários, como também dos do secundário, inebriando gerações sucessivas de jovens adultos e adolescentes irrequietos.
Daí a pouco tempo, toda aquela agitação atingiria em cheio a Europa, culminando no imenso regabofe francês do Maio de 68, paralisando por completo o país, num mês de intensas manifestações e confrontos de rua de estudantes enfurecidos com a Polícia, surpresa e acabrunhada, ante a dimensão e a ousadia da contestação juvenil.
Se nos EUA o pretexto principal da revolta estudantil assentava na participação americana Guerra do Vietname, ao lado do Governo amigo de Saigão, para conter a expansão do comunismo sino-soviético, na altura perigo menor ou mesmo nenhum, senão um sumo bem, ao alcance da Humanidade desvalida.
Quase todos esses grupos estudantis americanos e europeus, ao mesmo tempo que odiavam o estilo de vida burguês ocidental, diziam, embora dele fizessem uso e proveito abundante, votavam os mesmos grupos autêntica veneração pelos líderes e regimes comunistas, sobretudo, da China, da Albânia e de Cuba, uma vez que a URSS, depois de Estaline, já entrara em franco declínio na simpatia dos adeptos da Revolução Proletária.
Isto, dito assim, até pode parecer anódina narrativa história. Na altura, porém, tudo isto era vivido em clima de exaltação nos meios universitários, em que jovens inteligentes e desembaraçados empenhavam todos os seus mais valiosos dotes intelectuais e toda a sua inesgotável facúndia, ao serviço de delirantes utopias políticas, internamente impiedosas na repressão dos seus dissidentes.
Há épocas da História em que o intelecto humano parece querer eclipsar-se, de preferência a observar o princípio da realidade.
Para nosso espanto, alguns destes jovens arautos das utopias da desgraça dos anos 60 do século passado são hoje os líderes das doutrinas do mais desembestado liberalismo financeiro que tem espalhado o caos e a instabilidade económica e social, pelo mundo inteiro.
E, como se isto tudo não bastasse, outros factores explosivos, como as hostilidades e as desconfianças religiosas e étnicas vieram sobrepor-se à crise económica e dos mercados financeiros.
Tantos e tão variados problemas requerem outro tipo de líderes políticos, que não os actuais grilos falantes que tudo pensam resolver com discursos fáceis, esganiçados, mas balofos.
Seremos capazes de forjar novas elites, elites verdadeiras, no carácter e no saber, ou continuaremos a iludir-nos com momentâneas vitórias, em que apenas sacudimos da nossa frente, na circunstância, o diabo mais detestado?
Aqui deixo mais este arremedo de reflexão para a nossa tão necessária quanto premente regeneração nacional, que tarda em ganhar corpo e alma, na sempre recôndita esperança que habita em nossos corações.
AV_Lisboa, 12 de Setembro de 2011
Entrevista Decepcionante de Nuno Crato
Embora com algum atraso, quero verberar aqui a posição pífia de Nuno Crato, por frouxa e pobre em demasia, relativamente ao dito Acordo Ortográfico da LP de 1990, expressa na entrevista que concedeu à Revista Única do Expresso do anterior fim-de-semana, dia 3 de Setembro.
Tal como VGMoura assinalou, no DN de 4.ª feira passada, NC parece demasiado desconhecedor do assunto, provavelmente não o terá sequer estudado, não lhe atribuindo a importância que ele merece. Foi, na entrevista, surpreendentemente lacónico e até displicente, com tão melindroso tema.
Sendo pessoa inteligente e com méritos firmados na área intelectual, esperava-se dele atitude completamente diversa, mais informada e mais séria como compete a um Ministro da Educação.
Se, no resto dos assuntos da sua responsabilidade, que são imensos, assumir postura idêntica, prosseguirá a Educação dos Portugueses, principalmente dos mais jovens, a sua marcha fatídica a caminho da degradação e da ineficiência, para toda ela vir a terminar no poço da incompetência e da ignorância, onde maioritariamente já se encontra, ao fim de quase 40 anos de experiências curriculares e programáticas fúteis e demagógicas, já com resultados desastrosos, bem visíveis na impreparação científica, técnica e cultural da maioria dos jovens entretanto formados.
Lamenta-se tão decepcionante entrevista, neste ponto específico da pretendida reforma ortográfica da Língua Portuguesa, a qual não representa outra coisa senão a tola e apressada adesão dos Portugueses à grafia da LP vigente no Brasil desde 1943, depois de este ter assinado e posteriormente rejeitado o Acordo Ortográfico de 1945.
A decepção como os melhores é sempre de lastimar, do pior que nos pode acontecer.
Esperemos que NC ainda venha a rectificar a sua desleixada atitude a propósito do dito AO.
Atente-se, a este propósito, na prudência dos dirigentes de Angola e de Moçambique, que ainda não esboçaram nenhuma intenção de aprovação do dito Acordo, em notório contraste com a atitude precipitada, leviana, desinformada e algo servil revelada pelos governantes e responsáveis de Portugal.
AV_Lisboa, 11 de Setembro de 2011